Quando consumir vira doença

Casos de pacientes compulsivos por compras preocupam especialistas e começam a ser desvendados pela medicina.

Ela entrou em uma perfumaria em busca de um batom e saiu com 18 deles. Gastou R$ 40 mil num mês com objetos de uso pessoal de que não precisava. E acabou num consultório médico, em busca de ajuda para entender, e tratar, sua fissura pelo ato de comprar. A fisioterapeuta paulista Tatiana Lopes, 28 anos, sofre de um mal chamado oneomania – ou, simplesmente, compulsão por compras. Instituições como o Hospital das Clínicas de São Paulo, da Universidade de São Paulo, e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) oferecem tratamento especializado para essa doença que, muitas vezes, é confundida com fraqueza, ostentação ou impulso de “patricinhas” e “mauricinhos”. Agora, a Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro acaba de inaugurar um ambulatório para atender as vítimas da enfermidade.

A carioca Flávia Lima, 25 anos, está se esforçando para não se tornar compradora compulsiva. O sinal de alerta veio quando as dívidas cresceram assim que saiu da casa dos pais. “Agora, estou aprendendo a me controlar para fazer uma poupança”, conta. Mas ela ainda luta contra o impulso de comprar. “Entro no cheque especial e parcelo as contas no cartão de crédito por conta de gastos com futilidades”, reconhece.

SEM CHEQUES NA BOLSA
A comerciante Larissa Raposo, 26 anos, sentiu os primeiros sintomas da doença quando passava por uma depressão pós-parto, aos 19 anos. Ela já era casada e tinha dois filhos. “Não sentia mais prazer em nada, a não ser em comprar”, conta. Aos poucos, as dívidas se avolumaram e Larissa teve seu nome incluído nos cadastros de inadimplentes. Hoje, a compulsão está controlada. Mas ela não usa cheques nem cartão de crédito

É mais uma demonstração de que os especialistas estão preocupados com a evolução do problema. E, além da ampliação dos serviços especializados, a medicina também tem se dedicado a desvendar os aspectos da enfermidade. Até hoje, as causas do transtorno não são totalmente conhecidas, mas há alguns avanços neste sentido. “Sabemos que existe uma propensão genética e que pessoas impulsivas têm maior probabilidade de desenvolvê-lo. Mas o ambiente se encarrega do restante”, explica o psiquiatra Hermano Tavares, do Instituto de Psiquiatria da USP. De fato, estímulos para compras não faltam, com tantas ofertas de compras a crédito e o apelo publicitário. É por isso que este tipo de compulsão integra a lista das chamadas doenças da modernidade. “É um mal de uma era que insufla o prazer imediato em tudo”, afirma a psiquiatra Analice Gigliotti, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead) e chefe do setor de dependência química e outros transtornos do impulso, da Santa Casa, no Rio.

Outras informações também estão ajudando a conhecer melhor a enfermidade. Sabe-se,por exemplo, que ela é mais comum entre as mulheres, Uma das hipóteses que explicariam essa constatação é o fato de que, historicamente, o papel das compras sempre foi atribuído a elas. Portanto, as mulheres estariam mais “expostas” ao objeto da compulsão. “Também é reconhecido que a oneomania, em geral, aparece quando o indivíduo atinge certa independência financeira”, diz a psicóloga Ângela Duque, do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa carioca.

Uma das grandes dificuldades no entendimento da patologia, porém, é reconhecer quando ela se torna uma doença. Hoje, a psiquiatria define alguns parâmetros que ajudam nesta tarefa. O primeiro é verificar se o hábito – no caso, comprar demais – está trazendo prejuízo à vida pessoal, profissional e social. Alguém que está devendo muito e mesmo assim não consegue parar de comprar já está doente. Outro indicativo é o próprio sentimento experimentado pelo indivíduo. “Se após as compras a euforia dá lugar à vergonha, à culpa ou ao arrependimento, pode ser um sinal da compulsão”, explica Analice.

Outro obstáculo já detectado pelos especialistas é a relutância dos portadores em procurar auxílio médico. Na opinião da psicóloga Juliana Bizeto, coordenadora do ambulatório de transtornos não-químicos da Unifesp, isso ocorre muito em razão de a compulsão por compras ser um transtorno mais aceito socialmente, diferentemente do alcoolismo ou da dependência de drogas. Ou seja, nem o doente nem sua família entendem que é uma enfermidade e que, como tal, deve ser tratada.

Esta falta de percepção é um equívoco lamentável. “As pessoas precisam saber que a doença existe para evitar o sofrimento desnecessário. Com o tratamento, alcançamos bons resultados”, garante o psiquiatra Hermano Tavares. Hoje, as opções de tratamentos baseiam-se em psicoterapia, medicação (antidepressivos e ansiolíticos) e no treinamento do paciente para que ele aprenda a usar melhor o dinheiro. “Ninguém pode passar o resto da vida sem comprar. Por isso, o aprendizado de como lidar com o problema é tão importante”, explica a psicóloga Ângela.

fonte: Istoé

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