Há uma Imelda em cada um.

Como a lendária ex-primeira-dama 
filipina, muita gente compra demais. 
E isso pode ser uma doença

Há em cada um de nós uma Imelda Marcos, a lendária ex-primeira-dama das Filipinas que se tornou símbolo de consumismo sem freios e de acumulação de bens além de qualquer bom senso. Quando uma revolução depôs seu marido, o cleptomaníaco ditador Ferdinand Marcos, em 1986, os revolucionários espantaram-se ao encontrar em seus armários um estoque de 3.000 pares de calçado. A advogada gaúcha Christiane Ávila, 32 anos, tem mais de sessenta pares de sapatos no armário – o que é um espanto para quem não é Imelda Marcos. Muitos deles permanecem há meses na caixa e nunca foram usados. Só numa loja de roupas, ela chegou a fazer doze carnês de compras a prazo em apenas um mês. Na volta para casa, as sacolas vinham escondidas no porta-malas do carro para que o marido não as visse. “Quando estava triste, ia ao shopping fazer compras e, se estava feliz, também comprava. Não conseguia me controlar”, conta Christiane, que tinha uma coleção de cinco cartões de crédito. Foram necessários quatro anos – e 7.000 reais em dívidas – para que ela descobrisse que não era uma mulher fútil e perdulária, mas portadora de uma das chamadas doenças da civilização: a compulsão para as compras. Apesar de pouco conhecido, esse mal, cujo nome científico é oneomania, afeta 1% da população mundial, segundo estimativa da Associação Americana de Psiquiatria. Christiane conseguiu controlar o problema com o auxílio de terapia e de um medicamento para estabilizar o humor. “Cancelei quatro dos meus cinco cartões de crédito e estou proibida de ir ao shopping sozinha”, diz. “Só vou junto com o meu marido, e aí ele não me deixa comprar nada.”

Os compradores compulsivos costumam adquirir produtos que nunca vão usar e deixam de pagar contas essenciais por causa dos gastos supérfluos. Cartões de crédito e cheques especiais lhes proporcionam uma sensação de poder e eles não resistem a uma liquidação. As mulheres representam quase 80% dos casos. Os primeiros sinais do distúrbio costumam surgir ainda na adolescência, mas é comum a procura por ajuda só acontecer quando as dívidas se tornam maiores que a capacidade de pagá-las. O tratamento envolve psicoterapia e, dependendo do caso, medicamentos. “No momento do impulso, essas pessoas perdem a noção de certo e errado”, diz o psiquiatra gaúcho Diogo Lara. Ele afirma que oito em cada dez pacientes que sofrem de transtorno bipolar – doença que se caracteriza pela alternância de momentos de euforia e de depressão, com períodos de normalidade nos intervalos – apresentam compulsão para as compras. “Tenho uma paciente que roubou o cartão de crédito da mãe e comprou 2.000 reais em perfumes. Depois, sentiu um enorme remorso”, diz Lara, que recentemente lançou o livro Temperamento Forte e Bipolaridade.

A compulsão para as compras, naturalmente, é favorecida pelo incessante incentivo ao consumo na vida moderna. Nunca houve tanto crédito disponível para quem está disposto a se endividar. Os bancos distribuem cartões e concedem cheques especiais com liberalidade. No caso dos gastadores compulsivos, esses recursos se transformam numa terrível armadilha. Também nunca houve tanta oferta de produtos, que não são mais vendidos apenas em lojas, mas também pela televisão e pela internet. Essas mercadorias, por sua vez, são substituídas por novos lançamentos em velocidade avassaladora. “Quanto mais consumista a sociedade, maior o número de gastadores compulsivos”, diz o neuropsicólogo Daniel Fuentes, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Segundo Fuentes, compradores compulsivos sofrem de uma desordem do impulso. “São pessoas que não conseguem resistir a uma forte pressão interna para comprar alguma coisa. Qualquer coisa.” Freqüentemente, também apresentam outros comportamentos compulsivos, como comer ou beber além da conta. “Eles tendem a tomar atitudes imediatistas e têm pouca capacidade de planejamento e organização no dia-a-dia”, diz Fuentes.

Os grupos de auto-ajuda são um recurso valioso no controle da oneomania. Inspirados nos Alcoólicos Anônimos (AA), os Devedores Anônimos (DA) surgiram em 1968 nos Estados Unidos justamente para ajudar quem perde o controle de seus gastos e, conseqüentemente, de suas dívidas. Hoje, há mais de 500 grupos de Devedores Anônimos espalhados por dezoito países. O primeiro grupo brasileiro foi criado há seis anos, em São Paulo. Hoje já existem dez, em quatro Estados. Por aqui, não existem estatísticas sobre a quantidade de gastadores compulsivos. Mas uma pesquisa da Associação Nacional de Defesa dos Consumidores do Sistema Financeiro (Andif) com 6.000 inadimplentes revela que 30% deles se endividaram comprando produtos supérfluos.

“Comecei a freqüentar o DA há um ano e já consigo me controlar mais”, diz Teresa (nome fictício), uma enfermeira que chegou a ter dezessete cheques devolvidos e acumulou dívidas de 15.000 reais. Tudo gasto em supérfluos – roupas, sapatos, perfumes e maquiagem. “Uma vez fui a uma financeira e fiz um empréstimo de 1.000 reais”, conta a enfermeira. “Saí de lá direto para um shopping e torrei tudo em roupas.” Nas reuniões, os gastadores dispõem de um tempo para falar sobre seus problemas, são aconselhados a anotar minuciosamente seus gastos e despesas todos os dias e a aposentar cartões de crédito e talões de cheques. Foi exatamente essa a alternativa encontrada por Laura (nome fictício), uma funcionária pública aposentada que freqüenta as reuniões há dois anos e hoje só faz pagamentos em dinheiro. No auge da crise, ela contraía um empréstimo num banco para pagar a dívida feita em outro. “Não me interessava pelo preço do produto, só queria saber em quantos meses eu podia pagar”, ela relata. Apesar de muitas vezes ainda sentir vontade quase incontrolável de ir às compras, Laura agora consegue refrear seus impulsos repetindo para si mesma o lema do grupo: só mais 24 horas sem fazer nenhuma dívida.

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